quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A forma de olhar a morte, a atitude do homem diante deste fenômeno sofre modificações ao longo da história, sendo este um fenômeno culturalmente mediado.

De acordo com Kastenbaum e Aisenberg (1983), na antiguidade, a sociedade egípcia, que era bastante desenvolvida, tinha o objetivo de ensinar cada indivíduo a pensar, a sentir e a agir em relação à morte, buscando uma maior aproximação com essa temática. 
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Ariès (2003) destaca que, na Idade Média, a morte era algo esperado, existia uma familiaridade com a morte e todos participavam, inclusive as crianças. Havia com essa postura de aproximação diante da morte, uma atitude também de aceitação da ordem da natureza (p.46). E exatamente por existir uma familiaridade em relação à morte, esta recebia a denominação de “ morte domada”, o que era temido era a morte súbita. A morte era esperada no leito em uma cerimônia pública e organizada. Contudo, havia um distanciamento, um temor com relação aos mortos e os rituais tinham o propósito de separar os vivos dos mortos, existia um temor quanto à decomposição dos corpos, a possível contaminação, existindo também o medo com relação a fantasmas, almas

Na época medieval as pessoas eram enterradas nas igrejas, existindo uma espécie de proteção. Posteriormente, por questões de salubridade, os cemitérios foram sendo construídos mais distantes das cidades e no mesmo local existiam parques, ou seja, integrava-se no mesmo espaço as sepulturas e os lugares de passeio, oração, podendo-se pensar numa maior aproximação entre os vivos e os mortos, entre o viver e o morrer. Com o tempo o homem começa a se preocupar com o que acontece depois da morte e junto dessa preocupação ocorre o medo do julgamento e a possibilidade de ir para o inferno, de ser condenado (Ariès, 2003).

A partir da segunda metade da Idade Média, séculos XI e XII, percebem-se sutis modificações a respeito da maneira como o homem lida com a morte. Gradualmente, foi-se instalando um sentido dramático e pessoal à familiaridade tradicional do homem com a morte.
Segundo Kastenbaum e Aisenberg (www.brasilescola.com/psicologia/estudo-teórico-morte.htm), aproximadamente no século XVI, percebe-se mudanças na concepção do homem sobre da morte. Nessa época existiam peste, fome, inquisição, fatos que provocavam a morte coletiva, e que afetavam diretamente a visão da morte, que não mais era esperada, mas acontecia subitamente e esse descontrole com relação a morte, foi suscitando um sentimento de medo, medo diante da morte. Sobre tal aspecto os autores destacam:

A total falta de controle sobre os eventos sociais teve seu reflexo também na morte que não podia mais ser controlada magicamente como em tempos anteriores. Ao contrário, a morte passou a viver lado a lado com o homem como uma constante ameaça a perseguir e pegar a todos de surpresa. (p. 5)

Juntamente com a questão do descontrole e conseqüentemente do medo da morte, o homem começa a associar a morte com fatores negativos, esta passa a se vista como um assunto macabro, feio, gerando agora um distanciamento do homem em relação ao tema (www.brasilescola.com/psicologia/estudo-teórico-morte.htm).
A partir do século XVIII, origina-se no homem um novo olhar, um novo sentido em relação à morte, passando esta a ser percebida como uma ruptura, começando a haver um espaço para a emoção, atingindo uma esfera mais dramática.

 Sobre isso Áries (2003), comenta que a externação do sofrimento é devida exatamente à intolerância com a ruptura, com a separação. A partir de então, passa a existir uma comoção com relação à morte e não somente diante do leito do outro que está morrendo. A simples idéia de morte passa a ser geradora de comoção.
Paralelo a isso ocorre uma outra grande mudança no local onde os corpos eram enterrados. Ao invés das igrejas, os corpos recebem um novo lugar, passando do público para o privado. O corpo do morto agora era enterrado numa propriedade privada que pertencia a sua família, podendo então ser visitado sempre, como uma forma também do morto ser sempre lembrado e cultuado (Ariès, 2003).

A morte que antes era tida como um fenômeno tão familiar, começa a ser percebida como algo temido e vergonhoso, não existindo mais, por parte dos parentes do moribundo, a coragem para dizer ao doente a verdade sobre o seu estado, escolhendo-se não revelar a verdade e sim ocultá-la com o propósito de poupar o enfermo da gravidade, havendo uma intolerância com relação à morte do outro, logo a expressão utilizada, de acordo com Áries (2003), de morte interdita.

No século XX, nos anos de mil novecentos e trinta a mil novecentos e cinqüenta, começa a se constatar um deslocamento do lugar da morte, não se morrendo mais em casa diante dos familiares, mas agora no hospital e de modo solitário. (Ariès, 2003).

A morte no hospital não é mais ocasião de uma cerimônia ritualística presidida pelo moribundo em meio à assembléia de seus parentes e amigos, a qual tantas vezes mencionamos. A morte é um fenômeno técnico causado pela parada dos cuidados, ou seja, de maneira mais ou menos declarada, por decisão do médico e da equipe hospitalar. Inclusive, na maioria dos casos, há muito o moribundo perdeu a consciência. 

A morte foidividida, parcelada numa série de pequenas etapas dentre as quais, definitivamente, não se sabe qual a verdadeira morte, aquela em que se perdeu a consciência ou aquela em que se perdeu a respiração...Todas essas pequenas mortes silenciosas substituíram e apagaram a grande ação dramática da morte, e ninguém mais tem forças ou paciência de esperar durante semanas um momento que perdeu parte de seu sentido (Áries, 2003, p.86.)

Nessa afirmação vê-se claramente a atitude de negação diante da morte, uma postura de não-enfrentamento da realidade. Podendo-se também pensar numa exigência de controle da emoção e de tentativa de controle da própria vida, na medida em que tudo fica muito monitorado e 
objetivo.

A morte passa a se encarada como algo negativo, relacionado à dor, havendo uma tendência forte ao repúdio, a um afastamento e sobre isso Kübler-Ross (1998) afirma:
Como a morte estava associada à dor, o assunto era evitado. Os adultos raramente faziam referência ou qualquer coisa que estivesse relacionada com a morte. As crianças eram despachadas para outros cômodos da casa quando o assunto era inevitável na conversa, mas fatos são fatos. A morte faz parte da vida, a parte mais importante da vida. Médicos brilhantes que sabiam como prolongar a vida, não compreendiam que a morte era parte dessa mesma vida. Quando não se tem uma boa vida, estando aí incluídos todos os momentos finais, não se pode ter uma boa morte. (p. 154).

Diante do exposto, podemos refletir sobre a dificuldade que se sente hoje, na sociedade, de vivenciar a dor da perda, uma vez que ela não é acolhida como algo natural, sendo o indivíduo interditado para expressar seu pesar, o que dificulta a possibilidade de compartilhar com o outro a sua dor (Freire, 2005).

Observamos alguns pontos que distinguem a morte na antiguidade da morte atual. Antes, preferia-se morrer devagar e perto dos familiares, existindo com isso a possibilidade de se despedir. Diferentemente de hoje, quando é freqüente as pessoas afirmarem que preferem morrer instantaneamente. Sobre isso Bromberg (1994) afirma que nossa cultura não incorpora a morte como parte da vida, mas sim como castigo, como algo ruim e punitivo.

Percebe-se que essa forma de encarar a morte, de forma distante e velada, ainda é muito atual, como se a morte não pudesse ser falada, havendo uma desintegração da vida com a morte. E essa forma de pensar a morte pode ser negativa, uma vez que a morte é uma condição da existência humana, e, então, como negá-la?


Lecy Medeiros de Araújo Silva


A monografia “A morte na família: uma compreensão Fenomenológico-Existencial”, elaborada por Lecy Medeiros de Araújo Silva, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Curso de Especialização em Psicologia Clínica na Abordagem Fenomenológico-Existencial, do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de ESPECIALISTA EM PSICOLOGIA CLÍNICA.